Ciao!!!
Tradicionalmente,
eu tenho problemas com metáforas e poesias. Era gritante nas aulas de
Literatura onde simplesmente a interpretação de texto me tirava do sério porque
eu não conseguia entender qual era a resposta certa. Não conseguia entender o
suficiente o que os autores queriam dizer. Daí surgiu o trauma.
Aí,
eis que no ano passado apareceu um autor na minha vida, que me fez rever alguns
conceitos... O nome dele é David Levithan e ele tem o dom de me mostrar que não existe resposta certa quando se trata de sentimentos.
Garoto encontra Garoto –
David Levithan – Galera Record
(Boy
meets Boy – 2013)
Personagens:
Paul, Noah, amigos, nem tão amigos, ex e etc!
Paul
é um adolescente que sempre soube quem era. Era gay. Não era um problema ou um
drama, era uma realidade com a qual ele lida bem. Ele tem Joni, como a melhor
amiga. Entre os amigos estão Tony, um garoto gay com pais religiosos que não
sabem lidar com isso. E Infinite Darlene, a quarterback
da escola. Durante uma ida musical à livraria, ele conhece (e se encanta
por) Noah. E ele o reencontrou na escola onde estudava. E quando uma linda
história parece prestes a começar, alguns eventos paralelos interferem fazendo
com que Paul precise lutar para conquistar o garoto pelo qual se apaixonou.
Comentários:
- Em
uma escola totalmente atípica – “as líderes de torcida andam de Harley, a
Rainha do Baile é um cara chamado Daryl (mas que agora prefere ser chamado de
Infinite Darlene) e a aliança entre gays e héteros ajudou os garotos héteros a
aprenderem a dançar” (como explica o resumo) – onde a diversidade saiu mesmo do
papel e se tornou o que é, ou seja, normal. Paul estuda com alguns de seus
amigos. Joni, a amiga hétero, que rompeu de vez o namoro ioiô com Ted e vai começar
uma relação com Chuck, um dos jogadores de futebol americano. Infinite Darlene,
a quarterback, rainha do baile e diva reinante. Também integrante do grupo de
melhores amigos, Tony, estuda em outra escola e tem a identidade gay reprimida
por pais excessivamente religiosos.
“Desenhamos a vida anterior a lápis para que
faça contraste com o tecnicolor do momento.
É assim que proclamamos um começo.” (p.83)
-
Em uma ida para dançar numa livraria, Paul conheceu Noah. Foi um encontro
breve, mas marcante. Para sorte dele, Noah estuda na mesma escola e eles se reencontram
em um evento, quando Paul vai atrás dele praticamente coagido pelos amigos. A partir
disso, se inicia uma jornada de encontros e desencontros, possível amor à
primeira vista que se complica, amizades que se vão ou se fortalecem, reaproximação
do ex-namorado que ressurgiu das cinzas em meio às aulas e à organização do baile
da escola. É uma comédia romântica adolescente. Uma delícia de ler de ponta a
ponta.
“- Um dia o seu príncipe vai chegar - garanto.
- E a primeira coisa que eu vou dizer para ele é ‘Por
que você demorou tanto?’”. (p.116)
-
Não sei o que David Levithan tem, mas a escrita dele me pega na primeira página
e só liberta na última, mesmo assim, com um dó de fechar o livro e passar para
outra história. Primeiro porque – independente de opção sexual – poderia acontecer
com qualquer pessoa. Quem nunca se apaixonou e teve que consertar uma bobagem
que quase coloca tudo a perder? Quem nunca sonhou em encontrar aquela pessoa que,
seja como for, é perfeita para você? é
essa a sensação que temos quando Paul e Noah se conhecem. Especialmente porque
acompanhamos toda a história pelo ponto de vista de Paul, que é o narrador. Então
sabemos o que ele sente, aquela confusão inicial, aquele “susto” causado pela
antecipação de algo muito bom pode acontecer, o medo de se decepcionar e magoar
novamente. Esta aproximação rende cenas lindas, como a primeira vez em que Paul
vai à casa de Noah para “pintar música” e como a estratégia de Paul para
reconquistar Noah. Rende cenas tristes, como o rompimento dos dois e as
confusões que Paul se vê envolvido por tabela nas desavenças entre Joni, o ex-namorado
Ted, o futuro-atual Chuck, que também é desafeto de Infinite Darlene. Atire a
primeira pedra quem nunca teve uma amiga ou um amigo como Joni que passa a
viver em função do namorado e a jogar os amigos para escanteio (e ainda tem
coisa pior envolvendo a cumplicidade entre os pombinhos em detrimento dos
amigos, mas leiam para descobrir). E atire a primeira pedra quem conseguiu
resistir à tentação de dar pitaco no namoro alheio quando você não vai com a cara
da pessoa-que-pode-ser-a-alma-gêmea. Muita coisa para lidar e muita possibilidade
de consequências em jogo, né?
“Poderia argumentar que nem sempre é fácil
saber quem você é e o que quer, porque aí você não tem desculpa para não tentar
conseguir o que quer.” (p.175)
- E
o David Levithan soube misturar tudo sem exagerar na dose e sem forçar a
realidade que (em boa parte) ele criou. Não tem como você não achar que estes
personagens não sejam verdadeiros. Aliás, alguns eu gostaria de conhecer.
Adoraria aprender a fotografar com Noah e provavelmente teria crises de risos
sem fim com Infinite Darlene e não me importaria de estar por perto se Tony precisasse.
Usando sabiamente o talento de fazer poesia em forma de prosa (como mencionei
em Todo Dia),
David Levithan cria trechos tão lindos (dei pulos com o capítulo inteiro só de
diálogos. Amei da primeira à última linha) que não encontro outra forma para
explicar a não ser pedindo a você que imagine o mais belo poema escrito na mais
bonita prosa. E o melhor, não é bonito e vazio. Ele fala de e sobre sentimentos
da forma mais contundente possível: com uma simplicidade que desarma os
céticos, encanta e te coloca apaixonada pela história. A tal ponto de eu
saber que não conseguiria dormir se não terminasse o livro. Foi ótimo. Ainda
descobri um conto de dia dos namorados que vem no final. Só tornou o
livro perfeito. Dormi feliz. Sabendo que este livro estará na minha lista de
melhores do ano e não duvido que seja no alto da lista...
“Quando um primeiro encontro dá certo, é
assim:
Você sente a emoção de abrir a primeira página de um
livro.
E sabe, instintivamente, que vai ser um livro bem
longo”
Links: Goodreads livro e autor; site oficial (texto dele para a revista Out);
outros livros de David Levithan no Literatura de Mulherzinha.
E se bater a curiosidade, esta é a música que inspirou a criação de Tony, cantada por Patty Griffin (e vocês vão notar
nos comentários que várias pessoas chegaram neste vídeo após ler o livro)
Arrivederci!!!
ps.: E vocês viram certo: este livro foi escrito há 11 anos. Mais de uma década que houve algum progresso na discussão sobre relacionamentos de pessoas do mesmo sexo. Soube de locais onde este livro foi proibido por tocar no assunto. O livro é lindo. E fala sobre amor. Quem não ler, está perdendo a chance de uma história tocante, emotiva e muito bem escrita.
Ah, eu fiquei encantada por dois personagens sem ter lido esse livro: Infinite Darlene, com sua personalidade multifacetada de quarterback e rainha de baile, e Joni, pela lembrança que trouxe para mim de uma amiga que abandonou e esqueceu seus amigos por conta de um sujeito que abandonou-a e esqueceu-a depois de enganá-la por muitos anos. Oh, não, homem algum valeria sacrificar uma amizade !
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